quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Relação de Consumo e Saúde na Sociedade Moderna

A sociedade moderna constituiu ao longo dos últimos anos uma relação com a saúde e o consumo, que o que pode se perceber é que um conceito está sendo interligado ao outro.

O consumismo invadiu o mundo após a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, com as mudanças tecnológicas que impactaram o processo produtivo, viabilizando a produção em larga escala. Mas foi a partir do século XX que o consumismo passou a ser praticado aliado à outros conceitos, como à beleza, à inteligência, à saúde, à identidade.

O conceito de ser humano saudável, hoje, está ligado à prática de exercício físico; mas a visão que temos hoje é que o bom exercício físico é o praticado em academias, ou o auxiliado pelos famosos personal trainers, e não mais à caminhada matinal prazerosa, ou até mesmo à atividades diárias como as que praticam as pessoas que vivem no campo, como as praticadas pelas gerações passadas. Ou seja, a prática de exercício físico está ligada ao conceito de consumo de algum tipo de serviço que auxilie essa prática. Assim como a alimentação saudável e balanceada. Essa alimentação que nossos antepassados já sabiam e ingeriam, hoje só é válida quando é feita a partir de uma dieta feita pelo profissional apto, como o nutricionista. Como se nós não soubéssemos o que nos faz bem, o que faz bem para o nosso corpo. (SÁ, 2009)

Podemos citar também as soluções que encontramos hoje para alguns tipos de doenças e deficiências, como o estresse, ou a falta de alguma vitamina, ou ainda a anemia muito comum nos dias de hoje. Todas as soluções estão ligadas ao consumo, seja de um produto ou de um serviço. Seja de um comprimido ou de um profissional de yoga, ou de massagem, ou qualquer outro que esteja apto à ajudar no combate ao estresse. E nós adquirimos esses produtos e serviços mesmo sabendo que a solução está na mudança de hábitos, que podem ser alimentares, comportamentais e etc. Mas nos dias de hoje, o que vale é a praticidade e a rapidez de resultados.

Como apresenta Sá (2009, pág. 3),a bioquímica dos alimentos é manipulada por grandes grupos farmacêuticos nos fazendo crer que, nos alimentos, não encontramos tudo que precisamos, para enfrentarmos a vida moderna, são necessários os suplementos alimentares, assim como pílulas anti-stress e tranqüilizantes, ansiolíticos, etc.”

A sociedade sofre também com diversas doenças ligadas ao estilo de vida, às conseqüências causadas por esse estilo de vida. Que é o caso de muitas doenças respiratórias. Seja pelo tabagismo, pelos produtos gerados pela combustão do gás de cozinha, ou pelos outros tipos de poluição do ar, seja residencial ou industrial. (DUCHIADE, 1992)

O que podemos perceber também é o aumento pela procura de planos de saúde. As pessoas fazem exames completos, mesmo sem efetivamente precisarem, primeiro para se certificarem que não estão doentes, tendo em vista a gama de enfermidades “disponíveis no mercado”. E, segundo, para fazerem jus ao altíssimo preço que pagam nas mensalidades. Ainda existem os profissionais que indicam procedimentos médicos desnecessários, só com o objetivo de faturar em cima do seguro saúde. No entanto, os planos de saúde precisam justamente de uma boa carteira de clientes saudáveis para equilibrar suas contas quando alguém adoecer.

A grande questão é que estamos vivendo de forma prejudicial não só para o planeta, mas para nós seres humanos também. Não destruímos só a “saúde” dos animais, vegetais, água, solo, ar; com esse estilo de vida consumista onde tudo é matéria-prima consumível. Estamos destruindo a nossa saúde, estamos afetando a saúde do nosso corpo, seja emitindo gases de “efeito estufa” na atmosfera acarretando em doenças respiratórias, seja lançando mão de agrotóxicos (venenos!) nos alimentos que ingerimos, seja de outras diversas formas que temos disponíveis.

E, como nos mostra Sá (2009), estarão os sistemas de saúde mundiais preparados para lidar com as adversas advindas das ações realizadas sobre o planeta? Principalmente com essa visão de ser humano fragmentado que se tem hoje?

A medicina ainda possui a visão cartesiana de seres humanos fragmentados, de que a junção das partes se concretiza no todo, e que os médicos cada vez mais especializados em pequenas áreas do corpo humano são os melhores médicos. Mas o que não se percebe é que essa visão cartesiana e fragmentada é o que subsidia essa prática depredatória.

Muitas pessoas consomem exacerbadamente porque elas não fazem a ligação do todo como um processo. Ou seja, ao comprar um produto ela não pensa de onde veio a matéria-prima, como o produto foi produzido, como depois de todo esse processo ele chega a um preço tão acessível nas prateleiras, e, pra onde ele vai depois de descartado. Ela só pensa na parte do processo ao qual ela faz parte. Esse é um pensamento cartesiano, desvinculado à todos os outros processos a que o objeto foi ou será submetido.

E essa visão é com tudo no mundo. Com os objetos, com a natureza, com o outro... São relações desvinculadas de sua totalidade.

Podemos não gostar de ver na televisão áreas imensas da floresta amazônica sendo devastadas, ou uma matança de animais, ou crianças morrendo de fome na África; mas em momento algum fazemos a ligação desses desastres com a nossa prática do dia a dia. Em momento algum pensamos em rever nossas atitudes, em sair na nossa “zona de conforto”, para contribuir com a mudança. Enxergamos-nos como seres à parte do que está acontecendo no mundo. Não nos sentimos como parte que compõe o todo, mas sim, como parte desvinculada do todo; como na medicina, não precisamos nos preocupar com o coração, se o que está tendo problemas são os rins. E essa é uma visão ocasionada pelo paradigma cartesiano.

Na realidade, raras são as pessoas que não pensam dessa maneira. As pessoas se apavoram com consequências do aquecimento global veiculadas pelos programas de TV, mas não relacionam com o que elas mesmas contribuem, mesmo que minimamente, para esse aquecimento. E, além disso, temos questões muito menores que podemos resolver com decisões imediatas, cotidianas, mas não o fazemos. O pensamento precisa partir do local, para, posteriormente, atingir o global.


REFERÊNCIAS

DUCHIADE, Milena P. Poluição Do Ar e Doenças Respiratórias: Uma Revisão. Cad. Saúde Pública, v.8, n.3 - Rio de Janeiro. Jul./set. 1992

SÁ, Paulo Klingelhoefer de. Consumo, Saúde e Sustentabilidade. Paper - 2009.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O sentido da palavra “cuidar” na sociedade capitalista


Vemos hoje uma distorção do sentido da palavra “cuidar”.

O conceito de cuidado está totalmente ligado ao cuidado do corpo em todos os seus aspectos; de cuidado com a saúde física, cuidado com a aparência, no caso dos adultos, e ligado às necessidades básicas e às necessidades de sobrevivência, quando relacionado à infância.

Será abordado nesse trabalho o sentido da palavra “cuidar” no que tange à infância, o conceito interpretado pela sociedade capitalista e as terceirizações de papéis inerentes às famílias.

Tanto nas creches, quanto nas famílias, quando escutamos que a criança está sendo “cuidada” pensamos imediatamente que tem alguém a observando, evitando que a mesma se machuque e/ou atendendo suas necessidades básicas como higiene e alimentação.

Nas famílias, está cada vez mais evidente a omissão de pais e mães de seus papéis, e a terceirização destes papéis à babás, empregadas domésticas e profissionais de creches e escolas. O vínculo afetivo vem sendo enfraquecido, e até quebrado, entre pais e filhos. E, devido à necessidade de intimidade e contato que as crianças possuem, até pela formação de sua subjetividade, transferem a afetividade para pessoas mais próximas, mais presentes.

Por sua vez, essas pessoas que ocupam os papéis negligenciados pelos pais e familiares, também não estão preparadas e, muitas vezes, constroem com as crianças relações superficiais; pobres de contato físico, de amorosidade e de significância.

Segundo Borges (2009), os vínculos afetivos se tornam descartáveis, não duradouros, parecendo terem perdido sua solidez na sociedade moderna, e os indivíduos, tanto adultos quanto crianças, se fecham em seus espaços individuais, isolados do mundo e sofrendo, tanto psicologicamente quanto espiritualmente, com a solidão recorrente desse isolamento.

Essa solidão é desencadeada pela urgência de proteção e de cuidados, cuidados estes que não só reproduzem os conceitos já apresentados acima, mas também no sentido mais profundo, menos superficial, de cuidado do corpo sim; mas também da mente, tendo em vista que a relação constituída de abandono precipita o crescimento da criança, impactando negativamente em sua estruturação psíquica; e do seu espírito, da sua subjetividade, “o importante é a estruturação de uma intimidade que possa nortear e garantir uma melhor qualidade de vida em sociedade, favorecendo o florescimento de vínculos afetivos” e de vínculos mais substanciais, necessários à construção de uma sociedade mais amável e mais pautada nas relações entre seres vivos, sejam eles humanos ou não. (BORGES, 2009, pg. 3)

Como nos aponta Borges (2009), o ser humano no início de sua vida, durante a infância, precisa de alguém que o humanize; precisa de um “espelho” em que ele possa se guiar, em que ele possa enxergar o seu próprio “eu” em um processo de construção de sua identidade e os pais estão terceirizando cada vez mais essa função devido à uma inversão absurda de valores existente na sociedade vigente.

A sociedade capitalista nos obriga cada vez mais a valorizar o trabalho, para podermos acumular capital, para podermos adquirir bens, ou seja, para que possamos consumir, para, consequentemente, conquistarmos espaço na sociedade. Pois só é visto e considerado pela sociedade quem possui capital acumulado, quem possui bens materiais, que consome toda essa gama de produtos que são disponibilizados diariamente nas prateleiras. Na “sociedade do espetáculo” a ordem é “ter mais para ser mais”, é a inversão de valores citada acima onde as relações sociais não são pautadas mais por afetividade e cooperação, mas sim por competitividade mediada por imagens.

A criança, no meio dessa sociedade, pede por cuidado, necessita de atenção, requer tempo, tempo este que poderia estar sendo gasto em algo mais “produtivo”, algo mais lucrativo, algo que dê maior visibilidade. E assim, essa necessidade que a criança possui do outro é encarada como uma deficiência da infância, como algo que impede sua evolução.

Essa relação acaba se transformando em um ciclo vicioso, porque essa criança, quando adulto, também não vai saber criar vínculos afetivos, também não vai saber educar e criar com amor, seja seu próprio filho, seja qualquer criança, pois ela não sabe como, também não foi criada, cuidada, dessa forma.

Mais uma vez esse adulto vai negligenciar essa necessidade de afetividade da criança, terceirizando seu papel, ou mantendo uma relação superficial, descartável, não significativa com essa criança.

A sociedade precisa se atentar mais a esse conceito de cuidado que não é muito levado em consideração, um cuidado com o corpo, com a mente e com o espírito, o cuidado com o ser em sua totalidade. Um cuidado que vai além do suprimento de necessidades básicas, um cuidado que leve em conta a subjetividade da criança, que a oriente na sua formação como um ser humano que estabelece relações de cuidado consigo, com o outro, com o mundo.

REFERÊNCIAS:

BORGES, Isabel Cristina Bogéa. Um estudo sobre a constituição subjetiva: relações de cuidado entre educadores e bebês. Out/2009.